TESTEMUNHO PESSOAL

01.04.2025
Por: Rafaela Granado | Apresentadora / Repórter TV
“Sou mãe de uma só filha, e então?”
Sempre tentei ser respeitosa e saber o limite nas palavras ou perguntas a mulheres sobre escolhas e maternidade. Sobretudo quando, muitas vezes, a questão pode até nem ser uma escolha e ser, tão somente, uma impossibilidade da vida pelos mais diversos e, até possivelmente, dolorosos motivos.
Tenho uma filha, Maria Pia, linda, saudável, espirituosa, educada e amorosa com todos. Tem 9 anos.
As frases que mais ouço (adivinhem!) há exatos 9 anos, vindas literalmente do nada, são: “E então? Quando vais ter o segundo filho?” “Mas tu não queres ter outro filho?” “A Pia não pede irmãos?” “A Maria está a precisar de um irmãozinho” “Ah, que pena, não ter irmãos…” “Vocês são tão bons pais, podiam ter mais filhos.” – dentre um rol de muitas outras.
Durante muito tempo, relacionei tudo isto com o facto de que as pessoas estão sempre a COBRAR. A cobrança faz parte da natureza humana. Se não namoras, onde está o namorado? Se namoras, para quando o noivado? Se estás noiva há uns meses, ah por que tem que se marcar a boda! Se estás casada há um ano, não vão ter bebés?! Se tens o primeiro, para quando o segundo?! E por aí fora… Sempre, sempre a cobrança. E o que mais me choca e entristece é que vem mais de mulheres para mulheres. A sensação que tenho é que, para algumas mulheres, existe um certo deleite em cobrar algo de outra mulher. O real porquê, não sei, porque na minha natureza, não tenho isso. Mas nos últimos tempos, e porque o tema é recorrente, tenho realmente pensado bastante sobre o assunto. É porque não é só o quando vem o segundo filho, é todo o conceito “filho único” que me traz desconforto, pelo que há muito que leio sobre.
Porque será que uma mulher que tem mais filhos, numericamente falando, se poderá achar nalguma medida superior a outra? Será uma forma, quem sabe?, de colmatar uma inferioridade que sentem noutras áreas da vida e tentam usar contra o Mundo uma medalha invisível do tipo “eu tenho mais filhos, eu sou melhor, eu mereço um prémio, eu sou mais”, porque lá no fundinho se acham aquém, na generalidade da sua vida? Será que, porque a imagem que tem de si mesma não lhes basta, tentam então que esta matemática de filhos seja aquilo que as superioriza em relação a outras? Nunca nada basta. Nada é o bastante. E o ciclo perpetua-se.
Outra questão com a qual já fui confrontada: “Não lhe vais dar um irmãozinho para ela brincar?”. Mas estamos a falar de quê? De um brinquedo? De um qualquer Nenuco para a criança pegar e brincar?! As pessoas têm filhos para dar uma pessoa, um outro ser humano de “presente” ao primeiro filho e assim sucessivamente? Eu não vejo as coisas assim, lamento. Percebo o valor de ter irmãos, assim como vejo muitos outros tantos irmãos com relações péssimas e até mesmo tóxicas.
E não, a minha filha única, (adoro a forma como muita gente entoa a expressão “filho único” depreciativamente, imagine-se!, quando já vários especialistas vieram inclusivamente condenar a existência de tal conceito), nunca me pediu irmãos, até bem pelo contrário. O que também é perfeitamente indiferente, porque não é uma criança que decide nada nesta casa. Corroborando vários estudos empíricos e psicológicos que li, posso até dizer que conheço vários filhos sem irmãos que são o oposto daquilo que vulgarmente consideramos pessoas mimadas ou narcisistas, socialmente afetadas ou superprotegidas - características levianamente atribuídas a meninos ou meninas sem irmãos. Poderia até citar pelo menos cinco nomes, seguramente, de amigos meus sem irmãos que são altamente generosos, capazes, altruístas, sociáveis, excelentes companhias, bem mais do que pessoas criadas com dois e três irmãos em casa. O ter ou não irmãos não influi no indivíduo, mas sim a criação, a conexão e a ligações emocionais criadas durante a vida, com todas as pessoas com quem nos relacionamos. De resto, as diversas comparações entre irmãos podem gerar inclusivamente traumas para toda a vida em muitos que consistentemente vivem em relações problemáticas com os pais precisamente por causa das diferenças de personalidade e/ou até mesmo de tratamento diferenciado entre irmãos.
E aquela situação clássica em que uma mulher apresenta outra mulher da seguinte forma: “Esta é a minha amiga Sara, tem três filhos vê lá tu!, e dois são gémeos!” Como assim?! Isto é o que define a Sara? Se é mãe e tem filhos gémeos? A mim interessa-me zero essa informação num primeiro momento. Claro que quero conhecer a Sara, adoro conhecer pessoas, saber de todas as suas facetas, e certamente essa será interessante. Mas nunca, jamais, será essa a que a define.
Durante muito tempo, a única missão da Mulher foi realmente a de procriar e manter o lar segundo a lei do homem; até ao início do século XX, inclusivamente, uma mulher que não pudesse ter filhos, poderia ser ostracizada e até rejeitada pelo patriarcado. Só mais uma forma, no fundo, da sociedade machista em que aprendemos a viver e sobreviver, controlar a vontade, o poder de escolha e livre arbítrio da mulher. Ter um só filho então, meu Deus!, significaria que a mulher era fértil, mas não queria ter mais filhos – que audácia, que egoísmo, que despautério! Quando muitas vezes sabemos que o facto de uma mulher ter um filho não significa que não possa ter dificuldades ou infertilidade à posteriori.
Como católica praticante, invoco aqui algumas palavras do nosso querido Papa Francisco – “A mulher não é um ser humano de segunda categoria”. “Esta é uma sociedade com uma forte atitude masculina. Falta a mulher. ‘Sim, sim: a mulher é para lavar a louça, para fazer…’ Não, não: a mulher é para trazer harmonia. “As mulheres têm muito a dizer-nos na sociedade atual. Às vezes somos demasiado machistas, e não deixamos espaço à mulher”. Daqui retiro que a Mulher merece o mesmo respeito, os meus direitos e deveres, o mesmo poder de escolha e análise da sua vida e dos que a rodeiam. Sejamos todas menos machistas, e dispamo-nos dos preconceitos que nos foram incutidos desde pequenas. Perdoemo-nos das nossas próprias fragilidades e não andemos sempre com o modo comparação ligado.
Não quero de forma alguma melindrar familiares, nem amigas e amigos, nem pessoas próximas que me são tão queridas que sei que não fazem este tipo de “cobrança” com maldade. Outras sei que o fazem precisamente com requintes de malvadez. Eu sei bem ver a diferença. Mas peço apenas que pensem sobre isto. A cobrança constante não é GIRA.
E recuperando uma das ideias iniciais, ninguém sabe a não ser eu, no meu mais íntimo ser, o porquê das minhas escolhas ou da minha realidade. Respeitem-na. Ter mais ou menos filhos não nos valida mais ou menos enquanto pessoas, mulheres, mães ou até esposas. Desenganem-se. A minha maior medalha será sempre a qualidade da relação única, amorosa, presente e indestrutível que construo a cada dia com a minha filha. Sim, a minha única e deliciosa filha. Que eu escolhi ser a única. Para já. E, no futuro, logo se verá o que acontece. Aí, também, estaremos prontos para receber, educar, amar e acompanhar. Mas jamais para contabilizar, fazer competição ou, muito menos, só número.
Finalizando, digo isto com amor: sejam felizes e empáticos! O Mundo será sempre um lugar melhor.